sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Opinião: (alguns dos) carros mais injustiçados que já passaram pelo Brasil

Por Yuri Ravitz

Joaquin Phoenix na brilhante atuação como Commodus, no filme Gladiador. Imagem: Reprodução

Todos os anos, inúmeros carros novos são lançados em todo o planeta; alguns são projetos locais, oferecidos em um mercado mais restrito ou em um único país, enquanto que outros são globais e abrangem uma vasta gama de países ou, até mesmo, o mundo inteiro. No meio disso, alguns se tornam absolutos sucessos de vendas e conquistam seu público-alvo, porém, outros acabam sendo deixados de lado e ficam pouquíssimo tempo em linha. Seja por falta de atributos suficientes ou por não dialogarem adequadamente com o mercado, o fato é que certos modelos acabaram dando prejuízo aos seus fabricantes e, mesmo no mercado de usados, não são os mais queridos dos consumidores.

Pensando nisso, decidi fazer uma lista de alguns carros que, particularmente, acredito terem sido injustiçados no mercado brasileiro. São veículos que, ao meu ver, possuem propostas altamente interessantes, muito mais atributos positivos do que negativos ou ambas as coisas - boa proposta e boas qualidades -, mas que, por algum(ns) motivo(s), simplesmente não emplacaram e sumiram do mercado sem que ninguém sentisse falta. A lista não segue uma ordem lógica, portanto, não significa que o primeiro carro seria "o mais injustiçado" e, além disso, trata unicamente de veículos que foram oferecidos no mercado brasileiro. Vamos lá!

Versão esportiva do Fluence não deu certo, mercadologicamente falando. Foto: Divulgação

Renault Fluence GT

O Fluence GT é a prova viva de que, nem sempre, as pessoas sabem o que querem. Lançado na reta final de 2012, era uma versão esportiva do então bem-sucedido Fluence e representava o primeiro produto da Renault a ser oferecido no Brasil com tratamento da divisão Renault Sport - a mesma que fez o Sandero RS anos depois e que cuida de todos os esportivos da marca. No lançamento, custava R$79.390, valor que o colocava entre as versões topo de linha dos rivais, sendo que era o único com proposta efetivamente esportiva.

Trazia absolutamente tudo o que a gente sempre vê nas infinitas petições dos comentaristas das redes sociais: motor turbinado, câmbio manual, teto solar, acabamento exclusivo, boa lista de equipamentos... tudo. Seu bloco 2.0 gerava até 180cv e 30,6kgfm e era comandado por uma transmissão manual de seis marchas com relações específicas da versão. No final das contas, não deu certo e um dos principais motivos era, justamente, o câmbio manual que impossibilitava o pleno aproveitamento do desempenho do motor turbo, deixando-o mais lento do que alguns rivais com motores mais fracos, porém, com câmbio automático.

No final das contas, durou meros dois anos e pouco, sendo descontinuado em 2015. Até hoje, mesmo recheado de qualidades, é um carro difícil de se negociar e que tem um público bastante limitado com disposição (ou real desejo) de comprá-lo. Em contrapartida, isso significa que é possível encontrar exemplares em bom estado, sem alterações mecânicas de qualidade questionável e preços bastante atraentes em vista do conjunto que se leva.

O Stinger também fracassou fora do mercado brasileiro. Foto: Divulgação

Kia Stinger GT

O que acontece quando uma marca conhecida por modelos mais acessíveis, sem tanto foco em desempenho ou luxo, lança um produto que rompe com essas "amarras" e que quer bater de frente com os integrantes do andar de cima? Infelizmente, as chances de dar certo são mínimas e a Kia vivenciou essa realidade. Em 2017, a montadora decidiu apostar no inédito Stinger, um sedan de porte médio-grande com ares de coupé que foi projetado para tentar passar uma nova imagem da fabricante sul-coreana em vários mercados pelo planeta, inclusive, o Brasil, onde começou a ser vendido oficialmente um ano depois de sua estreia global.

As credenciais eram fortíssimas: oriundo do conceito GT, de 2011, o Stinger era o Kia de produção mais potente de seu tempo e ainda é o carro mais rápido da história da marca. Sua versão mais poderosa trazia um motor 3.3 V6 biturbo que entregava até 370cv e 52kgfm, aliado a um câmbio automático de 8 marchas e tração integral do tipo AWD. Foi a exata configuração que a montadora lançou no nosso país em setembro de 2018 por nada menos do que R$399.990. Indo de 0 a 100km/h em 4,9 segundos, não deixava nada a desejar quando comparado aos alemães do mesmo nível, fosse em desempenho ou equipamentos de série.

Apesar disso, ele não trazia o mesmo status de um Mercedes-Benz, BMW ou qualquer modelo de marca premium e pouquíssimas pessoas queriam pagar 400 mil reais em um Kia. Deixou de ser oferecido em 2023 e vendeu, ao todo, míseras 37 unidades no Brasil, tornando-se um modelo bem mais raro do que vários carros que custam o dobro ou até o triplo dele no país.

Veloster foi vítima da (má) estratégia de marketing da própria marca. Foto: Divulgação

Hyundai Veloster

É possível que o próprio fabricante consiga "queimar o filme" do seu produto, a ponto de condená-lo ao ostracismo e, consequentemente, perder bastante dinheiro por conta de más decisões? A Hyundai mostrou que sim, porém, a culpa não é só dela. O Veloster, um misto de hatch com coupé, chegou ao mercado brasileiro em 2011, época em que a marca sul-coreana era, digamos, agenciada pela CAOA, famosa pelo sensacionalismo barato e propagandas que mais serviam para fazer rir do que para despertar desejo de compra em alguém com um mínimo de noção das coisas. Era anunciado com motor 1.6 de injeção direta e 140cv de potência máxima, o que não é muita coisa, porém...

...na verdade, foi oferecido no Brasil unicamente com o motor 1.6 flex que equipava a família HB20, capaz de entregar até 128cv e 16,1kgfm, o que gerou vários problemas: não condizia com o preço acima dos 70 mil reais, não correspondia ao visual (e ao nome) do modelo e, para piorar, não era o que a marca anunciava em seus comerciais. Traduzindo: foi um desastre e fez com que o carro fosse alvo de piadas, tendo sua "reputação" destruída e quase se tornando um mico de mercado. O -quase- é porque, apesar dos pesares, o Veloster é um carro interessante e muito agradável de se dirigir, além de contar com um visual inusitado que é um prato cheio para quem quer sair do lugar comum.

Durou apenas dois anos por aqui e, atualmente, no mercado de usados, custa o mesmo de modelos superiores em desempenho, tecnologia embarcada e outros atributos. Continua cobrando mais pelo visual do que por suas qualidades em si, entretanto, acredite: ele tem virtudes e pode agradar bastante ao volante, desde que você não tenha pressa de chegar aos lugares.

RCZ trazia várias semelhanças com os modelos 308 e 408. Foto: Divulgação

Peugeot RCZ

A breve (e triste) história do Peugeot RCZ é parecida com a do Fluence GT: nasceu para oferecer muito do que os comentaristas de internet dizem querer, mas em uma "embalagem" exótica, nada convencional, sem o status de um modelo premium com as mesmas características - e a grana que seria pedida por ele. O coupé francês nasceu em 2009 e chegou ao Brasil dois anos depois em versão única, importado da Áustria, e preço de R$139.900 que o colocava como um dos carros mais caros da marca no nosso país.

Construído sobre a base do 308, trazia o famoso motor 1.6 turbo "THP" de até 165cv e 24,5kgfm com câmbio automático de seis marchas e uma boa lista de equipamentos: ar digital de duas zonas, faróis bixenon direcionais, multimídia com bluetooth e GPS, entre outros. Foi reestilizado em 2013, porém, saiu de cena em 2015 sem deixar sucessor ou saudades. O motivo? Devido ao formato de coupé, com dois lugares padrão e dois menores para crianças na traseira, não era nada prático (como todo bom esportivo, aliás) e, para piorar, custava o mesmo de veículos inferiores, porém, de marca premium, o que desanimava a compra.

Atualmente, é possível encontrar exemplares entre 70 e 90 mil reais no mercado de usados e é um prato cheio para quem quer, mais uma vez, fugir do senso comum sem precisar desembolsar uma fortuna em um modelo premium qualquer.

Segunda geração manteve qualidades do antecessor e corrigiu problemas, mas não emplacou. Foto: Divulgação

Citroën C4 Picasso (segunda geração)

Se alguém lhe perguntar qual o tipo de carro mais indicado para uma família, as chances de você dizer "um SUV" são enormes. Não está totalmente errado, entretanto, existem outros tipos de carroceria infinitamente melhores como, por exemplo, as minivans. Esse tipo de veículo é pensado para otimizar, ao máximo, o aproveitamento do espaço interno, a fim de que as famílias (e suas bagagens) possam viajar por horas e horas sem cansar. O grande problema das minivans é que, justamente por causa disso, ganharam a alcunha de "carro de mamãe" ou "carro de careta", o que significa que não são veículos para você ostentar ou impressionar seus amigos.

E esse foi um dos principais motivos que fizeram a segunda geração do Citroën C4 Picasso fracassar no Brasil. Lançada em outubro de 2015 por iniciais R$110.900, trouxe infinitas evoluções em relação ao modelo anterior e era o carro familiar deifnitivo. Seguro, bem equipado e dotado do motor 1.6 turbo THP com câmbio automático de seis marchas, era quase perfeito; se você precisasse de mais espaço, era só levar o Grand C4 Picasso com sete lugares e as mesmas qualidades. Acontece que, por esse preço, o C4 Picasso começava a bater de frente com SUVs médios que trazem muito mais apelo visual e "ostentador"; além disso, a má fama tanto da marca quanto do modelo em si, devido ao seu passado problemático, ofuscaram as qualidades da segunda geração que saiu de cena em 2019 e é raríssima de se encontrar nas ruas ou no mercado de usados.

Se você faz questão de um bom veículo familiar e não liga para revenda ou modismos, dificilmente encontrará opção melhor do que a segunda geração da minivan francesa, seja por suas qualidades ou por seus preços entre os usados. Ah e, claro, se não se importar com os amigos da 5ª série tirando sarro do seu carro de mamãe.