quinta-feira, 29 de maio de 2025

1995 Ferrari F355 Spider; a expressão do esporte fino

Só existem seis Ferrari F355 no planeta finalizados na cor Rosso Metallizzato. Um deles está no Brasil, no Rio de Janeiro, e nós fomos conhecê-lo de perto.

Texto e fotos por Yuri Ravitz
A convite do proprietário

Rosso Metallizzato é um vermelho escuro, de acabamento metálico e uma certa variação de brilho dependendo da luz ambiente.

Aqueles que amam os anos 90 justificam seu sentimento em diversos motivos: as músicas, tendências mundiais, comportamentos das pessoas, roupas em voga... os carros. O ano de 1990 foi especialmente importante para o Brasil, pois marcou a reabertura das importações de automóveis que haviam sido proibidas em 1976; a liberação foi sacramentada em 9 de maio pelo então presidente Fernando Collor de Mello e marcou, literalmente, o começo de uma nova era. O brasileiro passou a sonhar com as mais variadas máquinas de luxo e/ou alta performance da época, principalmente as de origem americana ou europeia e, recentemente, nós tivemos a oportunidade de conhecer um desses sonhos sobre rodas bem de perto: o Ferrari F355.

F355 na derivação americana (US-spec) traz as luzes de posição em âmbar junto dos marcadores nas laterais do para-choque.

O primeiro sonho a gente nunca esquece

O F355 é, provavelmente, o primeiro Ferrari que muita gente entre os 30 e 40 anos de idade viu pessoalmente e ficou sonhando em colocar na garagem algum dia. Para mim, Ravito, o supercarro italiano tem um significado especial por dois motivos principais: além de ter sido o primeiro Ferrari que vi ao vivo, também foi o primeiro superesportivo (para os padrões da época) que guiei na vida após ter vencido um concurso cultural de uma empresa paulista em 2012. Lançado em 1994 durante o Salão de Genebra, o F355 foi mais uma das obras-primas do renomado estúdio Pininfarina, assinado pelo designer Maurizio Corbi, autor de outros modelos da marca como os F50, 550 Maranello e California. Para muitos, trata-se de um dos mais belos carros da história da montadora e um "expoente" automotivo da década de 90.

Motor 3.5 V8 foi concebido para ser admirado com os ouvidos e também com os olhos.

Mas o F355 não é amado até os dias de hoje somente por seu design icônico. A própria Ferrari considera o "coração" do supercarro como uma de suas maiores e mais incríveis criações de todos os tempos. Temos aqui um bloco naturalmente aspirado de 3,5 litros e oito cilindros em V, movido unicamente a gasolina e trazendo cinco válvulas por cilindro, capaz de gerar até 380cv e 37kgfm de potência e torque máximos. Gerenciado por uma caixa manual de seis velocidades, ele leva o esportivo italiano de 0 a 100km/h em apenas 4,7 segundos e a uma velocidade máxima que beira os 300km/h. Demais características interessantes do motor do F355 incluem o sistema de lubrificação por cárter seco, o virabrequim plano e a capacidade de cortar giro em incríveis 8.500rpm.

Interior em dois tons é uma clássica combinação em configurações mais elegantes do F355.

Agora sim!

O F355 é o sucessor do 348 e, como tal, trouxe inúmeros aprimoramentos. Um deles é a direção assistida por sistema hidráulico que tornou o convívio diário muito mais fácil, principalmente em manobras - os Ferrari anteriores a essa época são conhecidos pelos volantes pesados que transformam o simples ato de estacionar em um exercício digno dos levantadores de peso. Quem dirigiu ambos os modelos relata melhorias gerais na dirigibilidade ao ponto do esportivo conseguir rodar em altas velocidades com uma tranquilidade surpreendente. O exemplar da nossa matéria também conta com capota elétrica, bancos com ajuste elétrico de distância, rádio com CD Player, câmbio grelha com acabamento metalizado, faróis de neblina, airbags duplos frontais, entre outros recursos.

Mais uma vez, o Volta Rápida consegue registrar uma raridade épica sobre rodas.

O que deixa o F355 de nossa matéria ainda mais especial do que os demais é a sua configuração: a Ferrari fabricou apenas seis unidades do supercarro na cor Rosso Metallizzato, um vermelho escurecido com acabamento metálico cujo brilho varia de acordo com a coloração da fonte luminosa em questão. Pois é: existem somente outros cinco modelos parecidos com esse em todo o planeta e, para completar, a cabine mistura o preto absoluto ao bege Connolly, resultando em uma combinação extremamente elegante e clássica que enaltece as linhas do ícone italiano. A capota é finalizada em lona preta e, quando recolhida por trás dos assentos, pode ser protegida por uma capa própria em bege que deve ser abotoada em pontos específicos. Não é uma operação simples e é melhor executada por mais de uma pessoa, entretanto, acaba se tornando uma parte do charme vintage do F355 Spider.

Bancos são bastante confortáveis e trazem ajuste elétrico de distância; os comandos ficam no console central.

O verdadeiro "go kart"

O F355 é um carro assustadoramente baixo. Para você ter uma ideia, além dos meros 1,17m de altura total, o vão livre do solo é de apenas 109mm - 10,9 centímetros. A fim de comparação, trata-se de uma diferença considerável dos 130 a 140 milímetros do vão médio de hatches compactos da mesma época. Isso significa que rodar com o supercarro requer bastante cuidado e atenção a qualquer imperfeição do asfalto para não raspar a dianteira bicuda ou o meio do veículo. Viaja-se com a sensação de que estamos, literalmente, em um kart; de dentro do carro, a proximidade do asfalto impressiona e faz com que os a grande maioria dos outros automóveis pareçam SUVs. Em um dado momento de parada em semáforo, um BYD Dolphin Mini parou ao nosso lado e a impressão era a de estarmos próximos a um utilitário de grande porte. É bastante engraçado e evidencia como os carros cresceram com o passar dos anos.

Faróis escamoteáveis trazem projetores halógenos para a luz baixa.

No ato da partida, nada de um rugido visceral ou uma trovoada digna dos deuses nórdicos, mas sim um ronco encorpado e constante, relativamente discreto para um esportivo, remetendo ao famigerado "quiet luxury" que ganhou força nos últimos anos. Ao acender as luzes, os faróis escamoteáveis se abrem para revelar peças de foco duplo com projetores para a luz baixa e refletores para a alta, tudo por lâmpadas halógenas. Já a operação da capota é parte mecânica, parte automática: o motorista destrava o bloqueio da capota manualmente e então, através de um botão no console central, inicia o procedimento de abertura. O sistema desloca ambos os assentos para a frente, pois o teto fica recolhido imediatamente atrás deles, e então o condutor cobre a capota recolhida com uma cobertura própria e bastante justa que é presa por botões metálicos. A Ferrari não menciona limitações de velocidade máxima com a capota fechada ou aberta, entretanto, a cobertura abotoada é importante para proteger o mecanismo recluso em altas velocidades.

Câmbio grelha (o famoso "gated manual") é um espetáculo à parte.

Em movimento, o 3.5 V8 produz uma sinfonia metálica e aguda que evoca todo o sentimento de um genuíno modelo feito com as pistas em mente, o que é delicioso. Os pedais são muito próximos e exigem que o condutor utilize calçados justos como, por exemplo, um sapatênis ou um mocassim, enquanto a alavanca de câmbio "se diverte" ao dançar entre as posições do acabamento metálico em grelha na parte inferior. O V8 cresce rápido nas rotações, mas o F355 se comporta de maneira bastante progressiva e sofisticada, sem sustos ou coices de grudar os corpos nos assentos; é uma espécie de diversão controlada, mostrando que o supercarro italiano é muito mais técnico e afiado do que, por exemplo, os monstros americanos que despejam brutalidade quase o tempo todo. Nas reduções, o 3.5 borbulha logo atrás dos ouvidos e nos deixa com a sensação de "quero mais".

Plaqueta "Disegno di Pininfarina" próxima às rodas traseiras compõe o charme do esportivo.

Por mais reencontros assim

Treze anos depois, voltar a ter contato com um Ferrari F355 foi uma das melhores experiências de toda a minha vida. Não escondo o certo desdém que sinto pela indústria automotiva dos tempo atuais, pois acredito que, de uma maneira geral, esse tipo de experiência sensorial está morrendo. Carros como o F355 eram feitos para aguçar todos os sentidos: do cheiro de todo o curtume italiano ao toque oriundo da operação dos mecanismos, passando pelos olhos que contemplam toda a perfeição das linhas, os ouvidos que clamam pelas esticadas e reduzidas, terminando na boca "aguada" por mais uma volta e o desejo quase infantil de ter um desses na garagem algum dia, mesmo sendo absolutamente irracional. É por essas e outras que modelos como o F355 estão cada vez mais valorizados e a procura só aumenta; eles foram feitos para quem, definitivamente, não vê sentido em uma vida sem toda a emoção (e a sensação) das quatro rodas.