domingo, 12 de junho de 2022

2022 Ford Maverick Lariat FX4 2.0 AT8; entre o útil e o agradável

Novo utilitário da marca quer ser um bom companheiro dentro e fora do asfalto, mas peca em alguns detalhes muito básicos. Passamos alguns dias com a novidade para atestar seus atributos.

Texto e fotos por Yuri Ravitz
Modelo cedido por Ford Motor Company (FoMoCo)

Nossa unidade de teste veio na cor Azul Lyse, perolizada, que não possui custo algum.

Se você perguntar, a seu pai ou avô, como eram as picapes e utilitários de antigamente, ouvirá que eram veículos de concepção muito simples de um modo geral, focados mais em robustez do que qualquer outra coisa. Não eram confortáveis ou bem acabados, tampouco ofereciam bom espaço interno ou recursos tecnológicos; o objetivo era trabalho. Atualmente, como tantas outras coisas, esse conceito passou por drásticas mudanças para atender a um público que exige muito mais dos produtos que consome, além de utilizá-los muito mais do que antes.

Nossa avaliação da semana é com um desses produtos que simbolizam a nova fase dos utilitários sobre rodas, projetados para quem deseja/necessita conciliar o carro de trabalho e o da família no mesmo pacote. É o Ford Maverick, uma picape inédita que traz um nome muito conhecido do brasileiro, mas que não tem absolutamente nada a ver com o clássico comercializado nos anos 70. Ele foi apresentado ao mundo no ano passado e chegou ao Brasil em Fevereiro deste ano, em versão única e sem opcionais, pelo preço de R$233.310, e nós o testamos por uma semana para conhecer a novidade em detalhes.

Nome Maverick vem estampado em baixo relevo na tampa da caçamba.

O tradicional da casa

Apesar de ser um produto novo, o Maverick combina diversos elementos já conhecidos no mercado. Sua plataforma, por exemplo, é a mesma C2 sobre o qual são construídos o atual Focus, o Escape e o Bronco Sport que testamos no ano passado; já o motor é o bom e velho 2.0 EcoBoost que equipa inúmeros carros de diferentes marcas há mais de 10 anos e que continua bebendo apenas gasolina.

Também há um 2.5 híbrido disponível para o Maverick lá fora em configurações mais baratas, contudo, a Ford preferiu trazer a picape apenas com o motor convencional por questões de homologação, manutenção e porque só ele pode ser aliado ao sistema de tração integral sob demanda, do tipo AWD, bem como ao pacote FX4 que acrescenta elementos para melhorar o uso fora-de-estrada.

Maverick brasileiro vem apenas com o conjunto mecânico mais caro - e mais forte.

Antiguidade é posto

Debaixo do capô do Maverick brasileiro há um velho conhecido do público tupiniquim: o 2.0 turbo da família EcoBoost, dotado de quatro cilindros em linha, capaz de gerar até 253cv e 38,7kgfm e que só pode ser abastecido com gasolina. Aliado a um câmbio automático de oito marchas, o Maverick pode ir de 0 a 100km/h em pouco mais de 7 segundos e atinge velocidade máxima de 177km/h.

São números surpreendentes para uma picape e que mostram a competência do EcoBoost mesmo após tantos anos de lançado. Como se não bastasse, ainda conseguimos bons índices de consumo: em percurso misto, nossa média geral foi de 12,4km/l, mas chegamos a conseguir 14km/l cravados circulando em trecho rodoviário na maior parte do tempo, superando a média que obtivemos no teste com o Bronco Sport, por exemplo.

Interior compartilha cluster de instrumentos e vários outros componentes com o Bronco Sport.

Derrapada proposital

Fabricado no México, o Maverick chega para nós unicamente na versão Lariat que é a top de linha nos EUA, por exemplo. Sem opcionais, a lista de itens de série inclui: sete airbags, faróis Full LED, multimídia SYNC 2,5 com espelhamento para smartphones via cabo e suporte a comandos de voz, ar condicionado digital de duas zonas, câmera de ré, banco do motorista com ajustes elétricos, assistente de frenagem de emergência com detecção de pedestres, chave presencial com partida por botão, iluminação ambiente em azul, escotilha traseira com acionamento elétrico, painel de instrumentos com tela de 6,5 polegadas, protetor de caçamba, entre outros.

Não é uma lista necessariamente ruim, porém, ela comete alguns deslizes indesculpáveis diante do preço do carro: não há míseros sensores traseiros de estacionamento, um pecado em uma picape de mais de 5 metros de comprimento. Também não há retrovisor interno fotocrômico ou ajuste de altura do facho de luz baixa, algo essencial em um veículo de carga, e a Ford deveria ter utilizado o SYNC 3 que inclui mais funcionalidades. Parece que certos recursos ficaram de fora para aproximar o preço do Maverick ao do Fiat Toro, embora a marca afirme não considerá-lo um rival; se fosse mesmo o caso, recursos como os pacotes Co-Pilot 360 e o Lariat Luxury recheariam mais a picape, deixando-a mais condizente com a pedida em solo brasileiro.

Para finalizar, o pacote FX4 que vem de série no modelo tupiniquim acrescenta pneus de uso misto, ganchos expostos para reboque na dianteira, engate para reboque na traseira com tomada, assistente de descida, sistema de arrefecimento melhorado e seletor de modos de condução: Normal, Escorregadio, Areia, Lama/Terra e Reboque, além das rodas de 17 polegadas finalizadas em preto brilhante.

Acabamento interno mescla elementos em marrom e um tom discreto de azul em boa parte da cabine.

Mais pra dentro do que pra fora

Rodamos cerca de 650km com o Maverick e precisamos dizer que o contato com a novidade rende algumas surpresas - boas e ruins. A primeira impressão ao ver a picape pessoalmente é interessante, pois, ela aparenta ser "baixinha", apesar de ter os mesmos 1,73m de altura do Fiat Toro; a diferença fica para o vão livre do solo que é 2cm menor no Maverick. Citamos o Toro unicamente para fins de comparação, uma vez que muitos internautas que ainda não viram a nova picape ao vivo juram que ela é maior do que o Ranger, o que está longe de ser verdade.

Ao abrir a porta, nos deparamos com um ambiente inusitado, mas agradável de se olhar. Predomina o plástico em um tom discreto de azul com pequenas inserções em cinza no painel e portas, além de detalhes em bronze que trazem parafusos propositalmente expostos em preto - a sensação é a de um ambiente "rústico chique". O ruim é que há plástico demais para um carro desse preço, pois, o couro só se encontra nos bancos e nos apoios de braço das portas; para compensar, é tudo bem encaixado e as superfícies são de boa qualidade, tanto visual quanto tátil.

Ao fundo, um pouco do visual do município de Saquarema, no RJ.

Passadas as impressões iniciais, é chegada a hora de ver como o Maverick se comporta na rua. Nesse aspecto, ele é muito mais carro do que utilitário e isso tem um ponto negativo crucial: a ideia do pacote FX4 é capacitar o Maverick ao fora-de-estrada e ele até consegue se sair bem nessas circunstâncias, desde que não precise encarar obstáculos maiores ou valetas/rampas de ângulos mais pronunciados. Isso porque o para-choque dianteiro é baixo e acaba raspando em alguns lugares, assim como o meio do carro que, devido ao longo entre-eixos, possui menores ângulos de uso. Não é algo que se espera de uma picape e mostra que o uso do Maverick fora do asfalto deve ser bem pensado para não causar prejuízos.

Entretanto, a coisa muda de figura quando colocamos o utilitário para andar pelas ruas e rodovias. O Maverick anda muito bem e mostra uma esperteza de fazer inveja a qualquer picape, porém, sem perder a suavidade e o conforto dignos de carro de passeio. Graças aos pneus de uso misto, ele enfrenta os buracos e defeitos da pista sem reclamar e também entrega um comportamento dinâmico surpreendentemente bom que se deve não apenas ao sistema de tração integral, mas também à suspensão traseira independente. O câmbio de oito marchas cumpre seu papel com maestria, realizando as trocas com rapidez e de maneira imperceptível, entretanto, é uma pena não oferecer uma possibilidade de operação manual por paddle-shifters, por exemplo.

Rodas pretas aliadas ao azul escuro da carroceria dão um visual "malvado" ao Maverick..

Outras características legais do Maverick são a abundância de porta-objetos, inclusive com nichos dedicados a garrafas de maior volume nas portas, além dos alto-falantes traseiros que se localizam nas colunas C ao invés das portas, direcionando melhor o som. Falando em traseira, os bancos da segunda fila acomodam com conforto, pois, trazem uma boa inclinação do encosto e espaço razoável para as pernas - que também depende de quem vai na frente, é claro. Por fim, há um extenso porta-objetos escondido abaixo de todo o assento traseiro, muito útil para levar caixas de utilidades ou coisas parecidas.

Passando para a caçamba, ela conta com protetor plástico em toda sua área e ganchos em pontos diferentes para ajudar a amarrar cargas, além de dois pequenos compartimentos nas laterais, ambos com tampa, que podem ser usados para acomodar itens menores. Também há iluminação própria para ela por dois spots de luz halógena justapostos ao brake-light acima da escotilha traseira, mas sentimos falta de uma mínima cobertura de lona; o possível proprietário de Maverick precisará incluir esse gasto no ato da compra, caso contrário, deixará suas bagagens e compras expostas ao tempo.

Sendo um carro pensado para os Estados Unidos, o Maverick traz luzes de posição laranja nas laterais além das principais nos faróis.

Avaliação geral

Design: o Maverick consegue entregar algo cada vez mais raro nos dias de hoje - demonstra personalidade própria e, ao mesmo tempo, deixa explícito o DNA da Ford sem copiar nenhum dos irmãos. O resultado final deu certo e a picape chamou atenção por onde passou, atraindo olhares e até mesmo interrompendo conversas; isso também se deve ao fato de ser um modelo raríssimo nas ruas brasileiras, mas no geral, o Maverick agradou aos olhos de todos. Nota: 10

Interior: contrariando a tendência monocromática dos interiores dos carros brasileiros, a cabine do Maverick apresenta uma combinação que poderia ficar ruim na teoria, mas que deu certo na prática. O discreto e pouco saturado tom de azul que predomina nas peças plásticas e na traseira dos assentos fez um bom casamento com o "Marrom Deserto" da face dos bancos, além do bronze nos apliques decorativos das portas e painel. Há muito mais plástico do que um carro desse preço deveria ter, porém, os encaixes são bons e o ambiente passa a sensação correta de qualidade. A iluminação ambiente em azul turquesa deixa a cabine mais bonita à noite. Nota: 8

Mecânica: mais de dez anos depois, o 2.0 EcoBoost continua entregando números muito bons e um desempenho acima da média, realizando um ótimo trabalho com a caixa automática de oito marchas e o sistema de tração integral sob demanda. A suspensão independente e os freios a disco nas quatro rodas ajudam a picape a se manter nos trilhos o tempo todo. Nota: 10

Tecnologia: a versão Lariat traz o básico que se espera de um carro de mais de 200 mil reais atualmente, porém, erra feio em detalhes mínimos que se encontram em uma infinidade de modelos mais baratos. Não trazer sensores de estacionamento, capota de lona para a caçamba ou retrovisor interno fotocrômico são alguns desses erros, mas longe de serem os únicos. Nota: 5

Conveniência: há quebra-sóis com espelho e iluminação, alças de teto, porta-revistas atrás dos dois bancos dianteiros, quatro portas USB - duas padrão e duas do tipo C - sendo uma de cada para as duas filas de bancos, muitos porta-objetos por toda a cabine, apoios de braço na frente e atrás. Sentimos falta de um carregador de smartphones por indução e o multimídia deveria trazer espelhamento sem cabos, além da chave presencial que deveria contar com abertura e fechamento remoto de janelas. Nota: 7

Acomodações: os bancos do Maverick são bons e é possível acomodar quatro adultos na picape mesmo para passeios mais longos. O volante conta com ajustes de altura e profundidade, além dos ajustes elétricos para o banco do motorista que incluem a lombar, mas dispensam o útil controle de inclinação do assento que pode deixar as pernas mais flexionadas. Nota: 8

Funcionalidades: tudo no Maverick funcionou corretamente o tempo inteiro, sem bugs. O multimídia apresentou alguns poucos travamentos na hora de trocar a estação do rádio pela tela touchscreen e só. Nota: 10

Desempenho: se fôssemos considerar apenas o desempenho do Maverick no asfalto, seria fácil conceder uma nota 10; a picape é extremamente prazerosa de dirigir e se movimenta com uma esperteza que faz qualquer utilitário ficar de queixo caído. Acontece que a picape tem a pretensão de andar por qualquer terreno (inclusive, ostentando o adesivo FX4 off-road nas laterais da caçamba) e, oferecendo ângulos de entrada e saída tão limitados, fica difícil encarar os obstáculos mais complexos sem raspar ou bater. Resumindo - é muito mais on-road do que off-road, não cumprindo com a sua propaganda. Nota: 7

Segurança: o Maverick ainda não passou por nenhum crash test, entretanto, ele conta com um forte ponto a favor. Sua plataforma C2 também equipa diversos modelos que já obtiveram notas máximas em diferentes testes de colisão pelos EUA e Europa. Para completar, os sete airbags + o sistema de frenagem autônoma de emergência garantem que os prejuízos sejam mínimos na inevitabilidade de um acidente, seja para os ocupantes ou quem estiver de fora do Maverick. Não pontuará mais alto pela falta do teste de colisão próprio dele. Nota: 7

Custo X Benefício: falando de preços, o Maverick se nivela a picapes médias em versão de entrada, normalmente munidas de câmbio manual e/ou tração apenas traseira (4x2). São modelos maiores e com mais capacidade de carga, mas que ficam devendo em conforto, desempenho, economia e todo o resto. Dentro da própria Ford, o Maverick fica na faixa do Ranger nas versões XL 4x4 manual, XLS ou Black, ambas com tração apenas traseira e câmbio automático. Se você não pretende fazer nenhum off-road pesado e só quer uma caçamba para levar coisas que um porta-malas padrão não comportaria, o Maverick é uma compra melhor do que qualquer picape média. Entretanto, se precisa de um utilitário para (literalmente) passar em qualquer lugar, o conjunto turbodiesel com tração integral seletiva do Fiat Toro Ranch ou Ultra é mais negócio, além de custar 20 mil reais a menos. Ao nosso ver: o Maverick é um bom produto que conquistará quem dirige por prazer, mas peca por não ser tão off-road quanto seu marketing diz. Nota: 6

Avaliação final: 78/100

Placa traseira deslocada para a direita é um pequeno "charme" da picape americana.

Considerações finais

A mesma comparação que cabe entre o atual Bronco e o novo Bronco Sport pode ser feita entre o Ranger e o Maverick. A nova picape da Ford é um produto pensado para os novos tempos e uma nova leva de consumidores com necessidades diferentes. O Maverick combina ingredientes já conhecidos e consagrados, se mostrando um produto bastante interessante que consegue se alinhar com toda essa demanda da maioria dos clientes de hoje em dia. Já os que desejam algo mais "raiz" ainda tem a opção do irmão maior e mais antigo.

Não ser um veículo com tanta aptidão off-road será um problema restrito a alguns poucos aventureiros que necessitam de um carro com essa pegada. O que realmente incomoda é a falta de equipamentos muito elementares para um modelo dessa faixa de preço, mas ele tenta (e consegue) agradar pela ambientação interna bastante incomum e o gostinho de exclusividade que alguns consumidores apreciam, visto que ainda é um carro raríssimo de se ver. Em suma, o Maverick do século 21 é a interpretação automotiva do bom e velho conceito que busca unir o útil ao agradável.


Concorrentes diretos (pela categoria picape compacta-média): Fiat Toro Ranch ou Ultra

Concorrentes indiretos (pelo preço entre 220 e 240 mil reais): Nissan Frontier S 4x4 manual, Mitsubishi L200 Triton Outdoor GLX 4x4 manual, Ford Ranger XL 4x4 manual, XLS 4x2 auto ou Black 4x2 auto



Ficha técnica

Motor: 2.0 turbo, 4 cilindros em linha, 16 válvulas, gasolina
Potência: 253cv a 5.500rpm
Torque: 38,7kgfm a 3.000rpm
Transmissão: automática de oito marchas
Tração: integral sob demanda (AWD)
Suspensão: independente nas quatro rodas
Freios: discos ventilados na dianteira, discos sólidos na traseira
Direção: elétrica
Pneus: 225/65 R17
Comprimento: 5,07m
Largura: 1,84m
Entre-eixos: 3,07m
Altura: 1,73m
Peso: 1.744kg
Caçamba: 943l
Carga útil: 617kg
Capacidade de reboque: 499kg com ou sem freio
Tanque: 67l

0 a 100km/h: 7,3 segundos
Velocidade máxima: 177km/h


Matéria em vídeo



Fotos (clique para ampliar):