O Esprit foi uma resposta da Lotus aos esportivos italianos e deu tão certo que virou estrela de cinema. Conheça um dos raríssimos exemplares que desfilam pelas ruas brasileiras.
Texto e fotos por Yuri Ravitz
A convite do proprietário
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O modelo da matéria veio na cor Norfolk Mustard, um amarelo vivo com um discreto toque alaranjado. |
Os ingleses são conhecidos pela elegância, a mania de superioridade e um certo deboche que, de tão pueril, chega a ser mais um tempero que realça a personalidade do que uma ofensa propriamente dita - ao menos se você tiver um senso de humor mais aguçado. Como se não bastasse, eles também sabem fazer automóveis icônicos e estupidamente interessantes de diversas formas, desde lendas do off-road (como os Land Rover) até devoradores de estradas (como os Jaguar). Nosso ensaio da vez é com um integrante do segundo grupo que, além de proporcionar fortes doses de diversão no asfalto, também é uma verdadeira estrela de cinema: o Lotus Esprit.
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Derivação S4 vem de Series 4; embora seja a quinta grande atualização, o S4 retomou a sequência interrompida no seu antecessor, notório pelo código X180. |
Para acabar com as dúvidas
Nem SPIRIT e muito menos ESPIRIT: o certo é E-S-P-R-I-T. Esprit é uma palavra francesa que também é utilizada no inglês desde o século 16, cujo significado remete a espírito, alma e mente. O então novo esportivo da Lotus foi apresentado ao mundo pela primeira vez em 1975 e sua produção se iniciou logo no ano seguinte; seu objetivo era atuar como um substituto e, ao mesmo tempo, um sucessor do Europa que teve sua fabricação encerrada no mesmo ano da avant-première do Esprit. Não por acaso, com o fim do Esprit em 2004, o nome Europa voltou a ser utilizado em um modelo inédito que surgiu em 2006 justamente para ocupar o posto do finado, contudo, o novo Europa não convenceu e durou apenas quatro anos.
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O "nosso" Esprit S4 está equipado com as rodas da variante V8; aro 17 na dianteira e aro 18 na traseira. |
A linha de tempo do Esprit pode ser organizada pelas fases do esportivo - quando falamos em fase, encare como alterações de maior porte sem necessariamente constituir uma nova geração. Foram seis fases ao todo, divididas em inúmeras variantes ao longo de 28 anos de produção e um total de 10.675 unidades produzidas; embora não tenha sido o produto mais vendido da história da Lotus, foi o que durou mais tempo em produção e trouxe boa reputação para a marca graças a características como o desenho assinado por nomes importantíssimos no universo do design automotivo como Giorgetto Giugiaro e Peter Stevens. Provavelmente você já conhece o projetista italiano, porém, caso não conheça Peter Stevens, saiba que o britânico foi o responsável pelas linhas externas e internas de nada menos do que o McLaren F1, um dos superesportivos mais cultuados de todos os tempos.
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Motor central-traseiro fica imediatamente atrás dos assentos, posicionado acima do eixo. |
Pequeno furioso
O Esprit S4 é equipado com um motor 2.2 de quatro cilindros em linha, turbinado, capaz de gerar até 268cv e 36kgfm; a tração é unicamente traseira e a transmissão é manual de cinco marchas. Os números podem até não impressionar mediante os padrões atuais, entretanto, não se deixe levar pela frieza deles: pesando na faixa dos 1.340kg, o esportivo britânico cumpre o 0 a 100km/h na casa dos 4,7 segundos e atinge a máxima de 272km/h, nivelando-se a diversos supercarros muito mais consagrados da mesma época como o Ferrari F355 e o Lamborghini Diablo, ambos equipados com motores maiores e mais potentes.
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Bancos em couro preto trazem contornos amarelos que combinam com a carroceria. |
Falando sobre equipamentos, o S4 foi o primeiro Esprit da história a trazer direção assistida - no caso, hidráulica, o que o tornou muito mais confortável e até capaz de ser utilizado no dia-a-dia. Além disso, ele traz vidros e travas elétricos, ar condicionado, freios por discos ventilados nas quatro rodas e ABS, airbags duplos frontais, retrovisores externos com ajustes elétricos e desembaçadores, faróis de neblina, entre outros. Como opcionais, a Lotus oferecia teto removível em vidro (presente no exemplar da matéria) e CD Player com disqueteira para seis discos. É curioso identificar os diferentes elementos de modelos da General Motors no interior do Esprit como, por exemplo, os controles dos vidros e dos retrovisores elétricos, bem como a chave de seta e outros componentes; o grupo americano foi proprietário da fabricante inglesa entre os anos 80 e 90.
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Interior é bastante aconchegante e bem acabado. "Nosso" carro teve o volante trocado pelo de um Elise. |
Boas surpresas
No ato da partida, o pequeno 2.2 produz um ronco encorpado e muito bonito, sugerindo que há um motor bem maior guardado no cofre; parte da orquestra é regida pelo sistema de escape com duas saídas que veio da variante V8 para substituir o original do S4, munido de uma única saída. Por ser um carro extremamente baixo, entrar e sair do Esprit requer alguma familiaridade com o mundo do contorcionismo e, além disso, é preciso ter cuidado ao transpor obstáculos como rampas e quebra-molas, pois a dianteira é "bicuda" e raspa com facilidade. Apesar de tudo isso, as acomodações são bastante confortáveis e o esportivo britânico não é tão duro nas imperfeições da pista quanto os pneus de perfil 40 na dianteira e 35 na traseira nos fazem pensar.
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As lanternas do S4 vieram do clássico Toyota AE86, o ícone japonês famoso no mundo do drift. |
Rodar com o Esprit pelas ruas cariocas foi um dos fenômenos mais divertidos que já experimentamos; o coupé amarelo torce pescoços e arranca os celulares dos bolsos alheios, ávidos por um registro da raridade - existem apenas 3 unidades registradas no país, sendo duas do S4. Se conduzido normalmente, o Esprit consegue ser dirigido sem incomodar ou parecer um animal enjaulado (como o Dodge Viper, por exemplo), entretanto, quando provocado, a sensação é a de estarmos em um modelo preparado; a turbina só entrega seu potencial máximo a partir dos 3.900rpm, o que significa que há uma grande margem de limite de aumento.
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Painel de instrumentos é completo. |
Superada essa margem de rotações, o Esprit S4 devora o asfalto com rapidez e absoluta precisão, brindando os ouvidos dos ocupantes com os adorados "espirros" de alívio de pressão do turbocompressor toda vez que o acelerador é solto. É um verdadeiro parque de diversões do tipo que os esportivos modernos não conseguem fazer igual; é verdade que a tecnologia deixou os motores bem mais eficientes e os carros, por consequência, mais rápidos, mas o Esprit S4 nos lembra de que parte da graça desse tipo de produto também está na experiência sensorial que ele proporciona. Não é um dos modelos mais velozes que já andei, contudo, é um dos mais empolgantes.
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O Esprit foi um dos últimos carros do planeta a sair com faróis escamoteáveis "pop-up". |
É muito diferente dos turbinados de hoje em dia, pois além do fato do turbo "demorar" a encher, os picos de potência e torque são literalmente picos, entregues em uma faixa bastante restrita de rotações - o torque máximo aparece entre 3.900 e 4.200rpm enquanto a potência máxima é entregue entre 6.500 e 6.900rpm. A pressão de trabalho do turbocompressor também é variável; são 0,65bar de pressão em condições normais, porém, ela sobe para 0,84bar quando o acelerador é pressionado além da metade e pode chegar a 1bar redondo por curtos períodos de aceleração com o pedal até o fim do curso. Para finalizar, não pense que não há tecnologia embarcada: o sistema de gerenciamento do motor conta com recursos de proteção para limitar a pressão máxima do turbo por longos períodos, visando preservar sua integridade geral.
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A dianteira traz rodas aro 17 com pneus 235/40 ZR17; já os traseiros são 285/35 ZR18. |
Nada como uma tocada raiz
O contato com o Esprit do nosso amigo e leitor colecionador (que também nos cedeu o Corvette ZR-1, o Porsche 944 e o Viper) foi uma maravilhosa visita ao passado e, além disso, uma raríssima oportunidade de conhecer o ícone britânico de perto. Diferentes versões e anos do Esprit já apareceram em filmes como Uma Linda Mulher, Milionário Num Instante, Espião Por Engano e 007: O Espião Que Me Amava; curiosamente, apesar de toda a trajetória cinematográfica, o esportivo inglês ainda é uma visão bastante incomum em qualquer lugar do mundo devido a sua produção limitada. Do visual exótico ao comportamento afiado e o interior caprichado, o Esprit é um pedaço da cultura automotiva britânica que precisa ser degustado por qualquer um que se considere amante dos carros.