sábado, 4 de janeiro de 2025

2023 Ford Mustang Mach-E GT Performance EV; não julgue o livro pela capa

Ele custa menos que o V8, mas anda mais e leva mais passageiros. Como é o dia-a-dia com o Mustang 100% elétrico em forma de SUV? Nós fomos descobrir.

Texto e fotos por Yuri Ravitz
Modelo cedido por Ford Motor Company (FoMoCo)

Todas as cores do Mach-E são oferecidas sem custo. A do "nosso" exemplar se chama Branco Nur.

Feliz ano novo! 2024 foi um ano muito produtivo para este que vos escreve e, até mesmo nas vésperas da virada, rendeu algumas pautas muito interessantes. Nós vamos trazer mais avaliações completas dos últimos carros que testamos em breve, porém, optamos por "quebrar" ligeiramente o cronograma devido a um de nossos companheiros de fim de ano. Estamos falando do Mustang Mach-E, o polêmico SUV-coupé de propulsão 100% elétrica que a Ford lançou em 2019 para complementar a linha do seu icônico "pony car" e que é vendido em versão única no Brasil desde 2023.

Nós passamos nada menos do que 20 dias ao volante do esportivo e rodamos mais de 2.000km para descobrir suas qualidades, seus defeitos e o mais importante: ele é digno de trazer o nome Mustang? Será que alguém dentro da Ford enlouqueceu ou ele, de fato, foi uma sacada interessante? É o que você vai descobrir nos parágrafos abaixo.

Embora seja um SUV, o Mach-E busca retratar a silhueta de coupé do Mustang tradicional.

Um Mustang elétrico ou um elétrico com cara de Mustang?

O Mustang em si dispensa apresentações, mas caso você ainda não o conheça mais a fundo, saiba que o modelo nasceu em 1964 e é patrimônio sagrado da Ford. Sua receita básica segue inalterada até hoje: carroceria coupé, dianteira alongada, apenas duas portas, disposição de assentos em 2+2 (dois lugares normais na frente e dois menores atrás para crianças) e, nas configurações mais caras, motores poderosos para garantir muita performance e diversão ao volante. Ele está em sua sétima geração e, agora em 2025, será oferecido no Brasil com câmbio manual em tiragem limitada, além da transmissão automática de dez marchas que o equipa tradicionalmente e é vendida sem limitações.

É justamente essa receita longeva e imutável que fez o mundo se escandalizar com um "Mustang SUV elétrico", mas não se apresse nos julgamentos. Além do Mustang tradicional continuar existindo normalmente, o inédito Mach-E traz apenas o nome e os elementos estéticos em comum: por baixo da carroceria, é um veículo totalmente diferente. Ele é construído sobre a plataforma GE1, uma variante altamente modificada da C2 (usada no Bronco Sport e no Maverick, por exemplo) e é fabricado no México (de onde vem para nós) e na China, diferente do Mustang padrão que é fabricado nos Estados Unidos. Trocando em miúdos: é um elétrico com cara de Mustang e não tem pretensões de substituir o original.

O "frunk" (porta-malas dianteiro) comporta até 139 litros.

Cavalos silenciosamente gritantes

O Mach-E é oferecido em diversas configurações, mas chega ao Brasil somente na versão mais forte, chamada GT Performance. Ela traz dois motores elétricos, sendo um por eixo, que entregam saudáveis 487cv e 87,7kgfm de potência e torque máximos, despejados nas quatro rodas o tempo inteiro, capazes de levar o SUV-coupé de 0 a 100km/h em apenas 3,7 segundos e a uma velocidade máxima limitada eletronicamente em 200km/h - a limitação, como de costume nos elétricos, é para fins de preservação da bateria e sua autonomia a longo prazo.

Para alimentar tudo isso, a Ford instalou uma bateria de 100kWh que garante até 379km de autonomia segundo o ciclo PBEV (Inmetro), mas passa dos 400km na prática. De fato, durante nosso uso com ar condicionado constante, média de quatro pessoas a bordo e modo de condução Engage, calculamos cerca de 420km de alcance total. O "problema" é que é difícil dosar o pé para conseguir essa autonomia, pois a força bruta do Mach-E disponível o tempo inteiro proporciona acelerações deliciosamente violentas que exigem muito autocontrole.

Cockpit do Mach-E é completamente diferente do interior do Mustang tradicional.

Recheio hi-tech

Além de ser a mais poderosa, a versão GT Performance também é a mais cara e equipada do Mach-E. Para o Brasil, sua lista de itens de série contempla: faróis Full LED adaptativos com função Matrix, nove airbags, painel de instrumentos 100% digital com tela de 10,2", central multimídia vertical de 15,5 polegadas com espelhamento sem fio, bancos dianteiros com ajustes elétricos (três memórias para o motorista), teto panorâmico, ar digital de duas zonas com saídas traseiras, som Bang & Olufsen com 10 alto-falantes, iluminação ambiente customizável e muito mais.

Há ainda os recursos semiautônomos de condução como: piloto automático adaptativo (que pode ser usado sem a função adaptativa), assistente de permanência em faixa com correção de direção, frenagem autônoma de emergência, monitoramento de pontos cegos e de tráfego cruzado na traseira, entre outros. Por fim, ele também traz sensores de estacionamento e câmeras em 360º, suspensão magnética adaptativa, rodas aro 20 com freios Brembo e até carregador doméstico incluso, mas com tomada padrão industrial - requer adaptação para uso em residências.

Lanternas inteiramente em LEDs trazem estilo incolor, seguindo a geração anterior do Mustang tradicional.

Desenfreado, mas domável

Os mais de 2.000km que percorremos com o Mach-E foram bem distribuídos entre trechos urbanos e rodoviários. Se você ainda não entendeu muito bem o que ele é, a resposta é simples: trata-se de um esportivo em carroceria familiar. Pode não parecer pelas fotos, mas é um veículo grande e relativamente baixo para um SUV: a posição de dirigir, a propósito, é quase a mesma do Mustang tradicional. Entender que o Mach-E é um legítimo carro esportivo é importante para alinharmos as expectativas diante do produto, pois o preço tabelado em R$486.000 e o visual externo sugerem se tratar de apenas mais um utilitário premium como, por exemplo, um Mercedes-Benz GLC ou um Audi Q5. E não é.

Mesmo equipado com a suspensão adaptativa por fluído eletromagnético, o Mach-E é um carro duro e bastante comunicativo quanto ao que acontece no asfalto - ou seja: ele não filtra os elementos e defeitos da pista como se esperaria de um SUV desse preço. São três modos de condução que alteram a rigidez da suspensão, o peso/resposta da direção e intensidade da regeneração de energia: Whisper (o mais leve), Engage (o intermediário) e Unbridle (o mais bruto). Mesmo no Whisper, o Mach-E é ríspido como um esportivo do seu calibre deve ser, o que não agradará a todos; não chega a ser insuportável, porém, não espere nenhum nível de maciez.

Bancos abraçam muito bem, uma característica importante em um carro que faz o que ele faz.

Quando você afunda o pé no acelerador, tudo fica claro e você passa a entender o porquê de toda a firmeza da suspensão, bem como a posição baixa de dirigir e os bancos que abraçam os ocupantes. O Mach-E é brutal e força os corpos contra os assentos de maneira espantosa; é tanta força que, mesmo com todas as assistências presentes, não é raro o SUV destracionar, inclusive com direito a saídas de traseira, lembrando o Mustang tradicional. Apesar disso, a conversa aqui é diferente, pois se trata de um modelo com tração integral, portanto, será bem mais difícil perder o controle da situação.

A Ford até tentou simular um ronco de motor pelos alto-falantes durante as acelerações mais vigorosas, mas nós particularmente não gostamos do som escolhido e deixamos o recurso desativado. Na verdade, qualquer imitação de som é dispensável diante de toda a diversão que o Mach-E consegue proporcionar ao volante. Não espere semelhanças com o Mustang tradicional e seu V8, pois não é apenas uma questão de barulho: a diversão aqui se dá justamente pelas particularidades do SUV elétrico e seu "poder de fogo" disponível de maneira imediata nas quatro rodas.

Teto panorâmico não traz cortina retrátil, mas seu vidro retém boa parte do calor do sol no dias de céu limpo.

Mas não é só pelo desempenho que o Mach-E agrada no dia-a-dia. A presença de um painel de instrumentos, mesmo que simplório, agrada bastante por não obrigar o condutor a desviar o olhar para a central multimídia toda vez que quiser ver algo sobre a direção. Já o som assinado pela Bang & Olufsen traz uma sacada interessante: dos dez alto-falantes presentes, um deles é um subwoofer e outros quatro ficam dispostos no formato de "soundbar", pegando toda a extensão do painel principal à frente dos ocupantes dianteiros. Os outros quatro ficam nas portas (um em cada uma) e, por fim, há um último falante no centro do painel, bem no topo da peça.

O entre-eixos de 2,98m confere um vasto espaço interno para quatro adultos e uma criança no meio do banco traseiro, bem como os espaços de bagagens que levam 402 litros na traseira + 139 litros na dianteira, no compartimento protegido abaixo do capô. As rodas de 20 polegadas trazem acabamento diamantado e calçam pneus 245/45 ZR20 nos dois eixos - são aros maiores que os do Mustang tradicional, mas com pneus mais estreitos e de perfil ligeiramente mais alto. Vale mencionar que não há estepe e sim um kit composto por selante + um pequeno compressor que deve ser usado em emergências nas ruas.

Reparou nas aletas na parte inferior central do para-choque? Elas se abrem ou fecham dependendo de diferentes fatores da condução.

Avaliação geral

Design: de frente, o Mach-E é um espetáculo - consegue evocar o estilo que a Ford adotou no Mustang tradicional pelos últimos anos e não tem defeitos. De lado, a troca das convencionais maçanetas por botões "escondidos" é uma solução bastante excêntrica e a marca escolheu trazer o SUV elétrico com as rodas mais bonitas existentes para ele. Na traseira, a vista já não é tão atraente quanto na dianteira, porém, gostamos da solução das lanternas incolores. De maneira geral, o Mach-E consegue deixar claro ser um derivado do Mustang (inclusive sem trazer emblemas Ford) e chama muita atenção por onde passa. Nota: 9

Interior: visualmente, a cabine do Mach-E é totalmente diferente do interior do Mustang tradicional. Já em matéria de capricho e acabamento, o nível é igualmente alto. Todas as quatro portas trazem fartura de superfícies de toque macio, apliques prateados e costura clara. A única coisa que dá para lamentar nesse aspecto é a ausência do sistema de iluminação ambiente na traseira. Nota: 9

Mecânica: não há como reclamar de todo o poderio de uma dupla de motores elétricos, mas não adianta andar muito e não ser capaz de coordenar toda essa força com eficiência. É por isso que a Ford instalou o sistema de suspensão MagneRide, independente nas quatro rodas, bem como os freios da Brembo. Ou seja: tecnologia de ponta por todos os lados. Nota: 10

Tecnologia: por quase meio milhão de reais, o Mach-E GT Performance traz tudo o que a cifra pede e mais um pouco. Mesmo assim, deveria trazer uma terceira zona para o ar condicionado de quem viaja na segunda fila - seja de temperatura ou de ventilação. Nota: 9

Conveniência: você pode configurar quase tudo no veículo tanto pela central multimídia quanto pelo aplicativo FordPass. A chave presencial traz abertura e fechamento remoto das janelas, há portas USB tipo A e tipo C tanto na frente quanto atrás, além de carregador por indução e nichos variados por todos os cantos. Ele também traz rebatimento elétrico dos retrovisores e abertura elétrica da tampa do porta-malas (inclusive por sensor de movimento). Por fim, há até mesmo perfis por onde o motorista pode agrupar suas preferências e configurações. Só não levará nota 10 por ter entrado na tendência do excesso de digitalização, deixando até mesmo os controles do ar condicionado dispostos na tela do multimídia - para compensar, o acesso a eles é constante e facilitado. Nota: 9

Acomodações: os bancos dianteiros trazem ajustes elétricos (incluindo lombar) e aquecimento, sendo que o do motorista conta com três posições de memória. O apoio de braço para os ocupantes da frente é fixo e só consegue ser utilizado na posição mais baixa dos assentos. Já os bancos traseiros não abraçam como os dianteiros, porém, são confortáveis e também contam com apoio de braço central. Há luzes de cortesia para todos, saídas de ar condicionado e alças de teto. Nota: 9

Funcionalidades: por vezes, o banco do motorista não volta para a posição original após ser recolhido para a função do acesso conforto, exigindo que você o reconfigure pelo controle da lateral ou pelo botão de memória. Também recebemos alguns poucos alertas de baixa pressão dos pneus, mas foram alarmes falsos. Fora isso, tudo funcionou perfeitamente no Mach-E, sem travas ou bugs. Nota: 9

Desempenho: são 487cv e 87,7kgfm que podem ser despejados imediatamente nas quatro rodas quando você quiser. Ao nosso ver, há certas ocasiões em que a carroceria inclina mais do que o desejado, não transmitindo tanta confiança quanto o desempenho geral sugere - entendemos que é um certo "molejo" necessário, afinal, mesmo sendo um esportivo, ainda é um SUV que pretende levar famílias. Nota: 9

Segurança: o Mach-E já passou por diversos crash-tests pelo mundo e simplesmente gabaritou todos, inclusive o temido teste da IIHS que avalia até mesmo a eficiência dos faróis - e o "nosso" GT Performance traz justamente os faróis com a nota mais alta, dotados de projetores para ambos os fachos, ajuste automático de altura e tecnologia Matrix para a luz alta. Resumindo, é impecável. Nota: 10

Custo X Benefício: custando R$486.000, o Mach-E entrega mais desempenho do que praticamente todos (ou quase todos) os SUVs dessa faixa de preço à venda no Brasil atualmente (superando até alguns bem mais caros) e une isso a um bom espaço interno e um pacote tecnológico bastante satisfatório. Vale lembrar que não há opcionais ou pinturas com valores à parte, ou seja: o valor que você paga é esse e pode sair ainda mais baixo ao se negociar diretamente nas concessionárias. Entretanto, não o compre pensando que terá a experiência tradicional de um SUV premium como seria, por exemplo, em um alemão de grife - a pegada aqui é performance, não conforto. Se é isso o que procura, acredite: a relação custo X diversão é difícil de ser superada. Nota: 9

Avaliação final: 92/100

Porções inferiores dos para-choques e saias são em preto brilhante.

Considerações finais

A ideia de um "Mustang elétrico em carroceria SUV" lhe ofende? Então encare do jeito correto: é um SUV elétrico que traz um visual inspirado no Mustang, pronto. O fato é que o Mach-E foi uma forma criativa que a Ford encontrou de ter crédito para continuar fabricando o tradicional Mustang que o mundo conhece e adora, afinal de contas, a pressão por eletrificação e redução de emissões em todo o planeta já acabou com diversos carros legais, inclusive os próprios rivais eternos do Mustang como o Dodge Challenger e o Chevrolet Camaro. Ou seja: agradeça ao Mach-E pelo Mustang continuar existindo.

Não vá guiá-lo pensando que terá a mesma experiência do irmão V8 ou de outros SUVs desse preço. O Mach-E consegue ser um produto de nicho que entrega uma sensação ao volante muito particular dele, podendo servir como um complemento interessante aos que já têm um Mustang na garagem e querem continuar na família, abrangendo todas as diferentes abordagens que o nome já recebeu ao longo dos anos, ou aos que buscam uma experiência eletrificada mais emocionante. O fato é que o Mach-E nos lembra da boa e velha sabedoria popular de nunca julgar um livro pela capa.



Ficha técnica

Motor: dois motores elétricos, um em cada eixo
Potência máxima: 487cv
Torque máximo: 87,7kgfm
Bateria: 100kWh (91kWh usáveis)
Autonomia: 379km (Inmetro) / 541km (WLTP)
Tração: integral
Suspensão: independente nas quatro rodas
Freios: discos ventilados nas quatro rodas
Direção: elétrica
Pneus: 245/45 ZR20
Comprimento: 4,74m
Largura: 1,93m
Entre-eixos: 2,98m
Altura: 1,61m
Peso: 2.268kg
Porta-malas: 402l (traseira) / 139l (dianteira)

0 a 100km/h: 3,7 segundos
Velocidade máxima: 200km/h (limitada eletronicamente)


Fotos (clique para ampliar):






Obs.: o carregador exibido na foto, com tomada padrão residencial, é nosso.