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A tonalidade Azul Algarve custa R$30.894 pela tabela atual, sendo um meio-termo entre as cores padrão e as especiais Paint-To-Sample. |
Carros nunca são meros meios de transporte. Mesmo para os que os enxergam e/ou compram unicamente sob essa ótica, os carros representam liberdade, autonomia, individualidade. Através deles é possível expressar nossa visão de mundo, nosso estilo e até mesmo nosso estado de espírito; sabe aquela história sobre a nossa organização mental (ou a falta dela) refletir no mundo ao redor? Bagunça e sujeira ou limpeza e ordem... Tudo isso também se reflete nos veículos que conduzimos todos os dias. O que quero dizer é que a nossa conexão com os automóveis é muito mais profunda do que a gente pensa, ainda que nem todos os proprietários tenham essa intenção.
Nossa avaliação da vez será um pouco diferente do habitual, pois o protagonista dela é assim: completamente diferente do que nós, meros mortais, costumamos dirigir no dia a dia. Estamos falando do Porsche Cayenne, um SUV que é incomum por si só, mas na configuração mais especial já pensada para ele, batizada de Turbo GT. Foram cerca de 1.500km percorridos nesse que foi, até hoje, o veículo mais rápido e mais caro já avaliado em toda a história do Volta Rápida - que completou 10 anos de existência no último dia 06 de abril. Atualmente na linha 2026, seu preço começa em R$1.450.000 e pode subir rapidamente ao se acrescentar opcionais.
A trajetória do Cayenne começou em 2002 e ele causou espanto por vários fatores: era o primeiro Porsche de produção com carroceria de quatro portas, além de ser o primeiro SUV da montadora e ter marcado o retorno dos motores V8 que se despediram com o fim do 928 em 1995. O Cayenne foi o resultado de um esforço conjunto entre Porsche, Volkswagen e Audi, rendendo outros nomes muito conhecidos entre os utilitários esportivos alemães de alto padrão como o Touareg (que também foi lançado em 2002) e o Q7 que chegou em 2005, todos compartilhando a plataforma PL71, motores e recursos tecnológicos entre si.
Não demorou para o Cayenne se tornar um sucesso comercial e ajudar a Porsche a se reerguer em tempos difíceis, tornando-se um dos produtos mais vendidos da história da fabricante e mantendo as contas da empresa em ordem ao lado do Macan, seu irmão menor, o Boxster e o Panamera. A variante Turbo GT nasceu em 2021, inaugurando uma nova nomenclatura de topo e oferecida somente na então inédita carroceria coupé, cujo teto passa por uma queda mais acentuada a partir das colunas B. Ela representa o topo da cadeia dos Cayenne e é o mais próximo que o SUV chega de um modelo de pista, detendo inúmeros recordes mundo afora.
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Debaixo do capô, muitos acabamentos plásticos para esconder as "entranhas" do coração do monstro. |
Velozes e furiosos
O Turbo GT é um dos poucos Cayenne que dispensam eletrificação na gama atual. Debaixo do capô se abriga um 4.0 V8 biturbo movido a gasolina, capaz de gerar animalescos 659cv e 86,7kgfm de potência e torque máximos; são números inferiores aos do Turbo E-Hybrid, entretanto, o desempenho é superior por conta do peso consideravelmente reduzido em relação ao irmão híbrido plug-in. A aceleração de 0 a 100km/h ocorre em apenas 3,3 segundos e a velocidade máxima é de 305km/h.
Dotado de tração integral AWD e câmbio automático de oito marchas, o Cayenne Turbo GT proporciona acelerações tão violentas que quase nos remetem aos efeitos especiais do primeiro Velozes e Furiosos, com as luzes da cidade passando embaçadas durante as corridas de rua para reforçar a sensação de alta velocidade por parte do espectador. É como se a visão formasse um túnel e tudo ao redor começasse a se teletransportar para mais perto do veículo enquanto seu corpo é esmagado contra o assento.
É visceral, estúpido, grotesco. Graças ao escape parcialmente em titânio, seria injusto dizer que o V8 apenas ronca; ele ruge, ecoando pelas ruas sem a menor cerimônia ou discrição, especialmente se o difusor estiver aberto, deixando o espetáculo ainda mais envolvente e excitante. A melhor parte é que se você souber dosar o pé, o consumo é surpreendentemente satisfatório: nossa média total foi de 8,4km/l, superando uma infinidade de modelos mais leves e que deveriam, em tese, ser mais econômicos.
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Por dentro, quase tudo que o seu corpo pode tocar é revestido em algum material nobre. Até mesmo as peças em plástico rígido são de alto nível. |
Algo mais, senhor?
O Turbo GT é o mais caro de todos os Cayenne, portanto, ele tem literalmente tudo o que você pode imaginar. A lista de recursos de série contempla: ar condicionado de quatro zonas ajustáveis em temperatura, intensidade e direção da ventilação, bancos dianteiros e volante com ajustes elétricos, cluster 100% digital de instrumentos personalizável, todos os recursos de condução semiautônoma existentes, câmeras e sensores de estacionamento em 360º, todos os retrovisores fotocrômicos (sim, até mesmo os externos), todas as luzes do carro (externas e internas) em LED, faróis em Matrix LED de altíssima definição e muito mais.
Alguns recursos opcionais nas outras versões são itens de série no Turbo GT, tais como: suspensão a ar adaptativa com altura e rigidez ajustáveis, eixo traseiro esterçante e freios em composto de carbono-cerâmica. Por fim, nossa unidade testada trazia itens opcionais como: tela de entretenimento para o passageiro da frente, duas telas individuais para os ocupantes de trás, lanternas traseiras com lente incolor, som Burmester Surround High-End em 3D, Head-Up Display customizável e sistema de visão noturna. No final de tudo, a conta pode passar facilmente de 1,6 milhão de reais entre equipamentos tecnológicos e personalizações visuais.
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Discos dianteiros de freio medem 440mm de diâmetro - pouco maiores do que uma roda aro 17. Os traseiros medem 410mm, maiores do que uma roda aro 16. |
Hit the road, Jack!
Assim como o Range Rover Sport que testamos há uns meses, nós fomos até São Paulo capital para buscar o mamute germânico. A pauta original foi para o portal TecMundo, porém, devido ao intenso fluxo de conteúdo, o site não permite abordagens mais extensas e detalhadas como as que fazemos aqui no Volta Rápida - e, convenhamos, um carro como o Cayenne pede esse nível de informações, especialmente na configuração em questão. De posse da chave da viatura (que veio finalizada no mesmo belo tom de azul da carroceria, capricho antigo que a Porsche oferece aos clientes), logo caímos na Marginal Pinheiros para se dirigir até a rodovia que nos levaria de volta ao Rio de Janeiro.
Os primeiros quilômetros já deixam uma ótima impressão: embora seja capaz de arrepiar cada centímetro quadrado da superfície de nossa pele, o Cayenne Turbo GT consegue ser espantosamente dócil em vias urbanas - e o melhor, sem ser desconfortável. A suspensão pode ser toda controlada pela central multimídia, portanto, basta deixar a altura em um nível intermediário e a rigidez, idem; o monstro se conduz com a mesma suavidade dos irmãos mais em conta e acredite quando lhe disserem que é possível sentir o prazer ao dirigir mesmo nessas circunstâncias. Os melhores esportivos são justamente os que conseguem ser mais usáveis e o Turbo GT, felizmente, não perdeu isso.
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Mesmo em uma configuração discreta, o Cayenne Turbo GT se sobressai o tempo inteiro. |
Terminada a marginal, o Cayenne superesportivo pode exercitar melhor seus músculos na estrada; o aerofólio retrátil na tampa do porta-malas se estende próximo dos 100km/h e faz dupla com a peça fixa no topo da tampa, fazendo junção com o teto, para ajudar a pregar o SUV no chão. Por falar em teto, o Turbo GT vem sempre com a peça inteiramente em fibra de carbono - não há nenhuma opção de teto solar ou panorâmico. A transmissão automática de oito velocidades, por sua vez, conduz o motor com maestria e garante baixas rotações mesmo em velocidades mais altas para manter o conforto da viagem, contudo, está sempre pronta a jogar marchas mais baixas para fazer o alemão disparar como um raio.
Uma das coisas que mais impressionam no SUV de alta performance é a maneira com a qual ele faz curvas; praticamente não há rolagem de carroceria. O Turbo GT consegue acompanhar os contornos do asfalto sem nem mesmo deslocar os corpos dos ocupantes para os lados, um feito e tanto para um veículo de quase 5 metros de comprimento e mais de 2,2 toneladas. Como se não bastasse, ele já faz isso com os ajustes de suspensão mais "cotidianos"; quando colocado no modo mais baixo e rígido, o Cayenne parece ser puxado pela gravidade com mais intensidade do que os outros objetos e veículos próximos, burlando as leis da física.
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Espaço interno é muito bom. |
Algumas coisas demandam certo tempo até você conseguir se entender com seus comandos e funções; o painel de instrumentos é uma delas. O display curvo de 12,6" é inteiramente digital, porém, busca replicar a disposição clássica dos instrumentos da Porsche com o conta-giros ao centro e as demais funções dispostas em outros quatro semicírculos. É possível escolher o que se quer ver, desde dados sobre a condução até medidores de performance, tempos de pista, GPS, entre outros recursos. A operação é feita através de botões no raio direito do volante, mas não é das mais simples.
A versão Turbo GT sai de fábrica pronta para levar quatro ocupantes, entretanto, você pode pedir o banco convencional na traseira com três lugares sem nenhum custo adicional, bem como cortinas retráteis para bloquear o sol pelas janelas das portas. As telas do sistema de infotenimento traseiro são individuais e possuem portas HDMI, conexão wi-fi e aplicativos com serviços de streaming inclusos, ou seja: mesmo sendo uma versão focada em esportividade, a Porsche permite que você configure seu Turbo GT para levar a família com o máximo de conforto quando quiser.
Design: o Cayenne Coupé é um dos pouquíssimos SUVs-coupé que não ficaram desproporcionais ou esquisitos. Na nossa opinião, a reestilização promovida em 2023 trouxe mais maturidade ao desenho e, de forma geral, caiu como uma luva. É muito difícil casar linhas retas com curvas e conseguir algo positivo, mas a Porsche conseguiu. Nota: 10
Interior: a cabine do Cayenne não deixa nenhuma dúvida sobre estarmos dentro de um veículo premium. Quase tudo é em material sofisticado e mesmo as partes plásticas deixam claro o alto nível de qualidade. Os bancos do tipo concha abraçam muito bem, há iluminação ambiente customizável nas quatro portas e outros lugares, boa oferta de comandos físicos para realizar coisas básicas, todavia, não é infalível; os controles do ar condicionado ficam dispostos em uma superfície brilhosa no console central e, em certas posições, ela reflete toda a luz do sol diretamente na cara do motorista, o que é bastante incômodo. Você pode argumentar que a Porsche não se preocupou com isso porque é certo que os proprietários colocariam películas escuras que amenizariam o problema, entretanto, o fabricante não pode pensar dessa forma. Nota: 9
Mecânica: os motores V8 estão ameaçados de extinção, então precisamos abraçá-los. É muito bom ver a Porsche fazendo questão deles, especialmente em uma configuração tão insana. Para completar, além da suspensão que já mencionamos anteriormente, os imensos discos de carbono-cerâmica dos freios são parados por pinças de nada menos do que 10 pistões na dianteira e 4 na traseira. É o suprassumo da alta performance sob seu controle. Nota: 10
Tecnologia: munido de visão noturna capaz de realçar pedestres e animais, além de faróis em HD com 32 mil minúsculos LEDs em cada peça que fazem um corte milimétrico dos veículos adiante, podemos concluir que tecnologia embarcada não é problema algum no Cayenne Turbo GT. Nota: 10
Conveniência: portas com fechamento por sucção, opções de telas para todos os ocupantes, controles individuais de ar condicionado para cada pessoa, abertura e fechamento remoto de janelas... Não é preciso dizer muito mais. Nota: 10
Acomodações: há espaço suficiente para levar quatro pessoas com conforto (ou cinco se você fizer questão) e 549 litros de porta-malas para levar todas as bagagens delas, além de portas USB visíveis e escondidas, iluminação de cortesia para todos e tudo o que um veículo de luxo pode oferecer. Embora seja esportivo, ainda é de luxo. Os banco não favorecem os mais "cheinhos" (como este que vos escreve), mas isso não é culpa deles. Nota: 10
Funcionalidades: tudo no Cayenne Turbo GT funcionou como deveria o tempo inteiro. Destaque para os faróis HD Matrix LED que literalmente "varrem" toda a vista dianteira do veículo e cortam o feixe de luz dos demais carros com uma precisão espantosa. Já testamos diversos veículos com essa tecnologia e nenhum deles chega perto. Nota: 10
Desempenho: capaz de acelerar como se sua namorada tivesse dito que está sozinha em casa e de contornar curvas como se elas não estivessem ali, o Cayenne Turbo GT é uma das coisas mais impressionantes que eu já guiei na minha vida... e olha que eu já andei em muita coisa. Nota: 10
Segurança: a última vez que um Cayenne passou por um crash test foi em 2017 pelo Euro NCAP. O SUV saiu com a nota máxima de cinco estrelas, porém, nunca foi retestado desde então. Não há razões para acreditar que o modelo atual, mais equipado e refinado, se sairia diferente, mas seria muito interessante (e importante) ver um novo teste. Nota: 9
Custo X Benefício: 1,4 milhão de dinheiros é muita coisa, seja em qual moeda for, em qualquer lugar do mundo. Um carro dessa cifra precisa beirar a perfeição e o Cayenne Turbo GT, de longe, é um desses afortunados. Você pode economizar algumas dezenas de milhares de reais optando pela versão Turbo E-Hybrid com mecânica híbrida plug-in e desempenho parecido, mas isso só fará sentido se você quiser ou precisar muito de uma alternativa mais familiar. A missão do Turbo GT não é essa, mas sim ser um bicho bruto, rústico, capaz de proporcionar uma experiência digna das maiores loucuras dos anos 2000 em matéria de carros esportivos - muito barulho, design sedutor e desempenho suficiente para separar a alma do corpo ou abalar a circulação de sangue nos corpos dos demais passageiros. Para finalizar, é evidente que ele não quer ser a melhor opção de compra do Cayenne e é justamente por isso que acaba sendo: por apostar na mais pura diversão que se pode ter ao volante, sendo um sopro de alívio em um mar de carros cada vez mais anestesiados e sem personalidade. Nota: 10
Avaliação final: 98/100
Garantindo 98 pontos em nossa avaliação ponto-a-ponto, o Cayenne Turbo GT é o carro com a maior nota já alcançada até hoje e, para fechar, foi o único até então a conseguir nota 10 no quesito Custo X Benefício, o mais rígido de todos eles. A "quebra de decoro" na concepção dessa matéria não foi por acaso: as brincadeiras, associações divertidas e colocações em primeira pessoa (algo que costuma ser veementemente condenado no jornalismo) foram propositais, pois é isso que o "tegetê" representa na minha visão: ignorar, totalmente de propósito, tudo o que as montadoras pregam nos dias atuais. Um pouco de rebeldia nunca matou ninguém... e ainda não matará.
Não fecharei esse texto com as tradicionais considerações finais porque não quero que sejam as últimas. Espero voltar a ter contato com ele em outras oportunidades em um futuro não tão distante para estabelecer quantas considerações a mais forem possíveis. Como eu disse lá no começo, nós "meros mortais" não temos esse nível de experiência todos os dias, afinal de contas, acredito que todos os carros são importantes, mas nem todos são especiais. É disso que sinto falta na indústria de hoje: modelos que empolgam e que nos fazem lembrar dos bons e velhos tempos onde as coisas eram feitas com esmero, com capricho e pelo prazer.
Motor: 4.0 biturbo, 8 cilindros em V, 32 válvulas, gasolina
Potência: 659cv a 6.000rpm
Torque: 86,7kgfm a 2.300rpm
Transmissão: automática de oito marchas
Tração: integral sob demanda (AWD)
Suspensão: independente por bolsas de ar nas quatro rodas
Freios: discos ventilados em carbono-cerâmica nas quatro rodas
Direção: elétrica
Pneus: 285/40 ZR22 na dianteira, 315/35 ZR22 na traseira
Comprimento: 4,94m
Largura: 1,99m
Entre-eixos: 2,89m
Altura: 1,63m (com a suspensão no nível normal - vão livre do solo de 172mm)
Peso: 2.245kg
Porta-malas: 549l
Tanque: 90l
0 a 100km/h: 3,3 segundos
Velocidade máxima: 305km/h
Fotos (clique para ampliar):